Evaniely aprendeu, desde cedo, que muitas vezes é necessário passar por obstáculos e dificuldades sem estar preparada. Ela tinha apenas três meses, quando seu pai voltava para casa feliz por saber que encontraria sua família e, ao fechar o estabelecimento em que trabalhava, foi assassinado em uma tentativa de assalto.
Sua mãe precisou assumir todas as responsabilidades que antes eram compartilhadas. “Com seis anos, minha mãe passou a me deixar uns dias na casa da minha vó para poder trabalhar e me buscava aos finais de semana, quando podia ficar comigo”, relata Evaniely.
Desde então, aconteceram muitas coisas que as fizeram crescer e sobreviver juntas. Secretária de uma empresa de parques aquáticos precisava viajar constantemente à trabalho, enquanto Evaniely ficava com a avó.
O relacionamento da pequena com o marido da avó, na maioria das vezes, era bom: “ele tratava todo mundo muito bem, mas se transformava com o efeito do álcool”. E foi em uma dessas transformações que Evaniely teve sua vida marcada para sempre. Aos 6 anos, foi abusada sexualmente pela pessoa que considerava como avô. Os abusos eram recorrentes, visto que eles tinham um contato frequente.
Evaniely não sabia ao certo o que estava acontecendo, mas sabia que era algo errado, pois sempre precisava manter segredo. “Quando passamos por uma situação de assédio, o agressor tende a usar o medo, e ele ameaçava a minha mãe como uma forma de eu não contar para ninguém. Como eu já não tinha o meu pai, eu não poderia perder a minha mãe também”, conta Evaniely.
Após alguns meses, sua mãe passou a perceber uma mudança em seu comportamento e, consequentemente, em seu corpo. Foi quando começou a suspeitar que a filha sofria abusos de uma das pessoas em que a família mais confiava e, ao ser questionada, Evaniely confirmou o que estava acontecendo.
“Quando a mamãe descobriu, ela entrou em contato a minha avó, que no princípio não acreditou na situação, não acreditou que era real, mas mesmo assim, eu e minha mãe fomos à delegacia e fizemos todos os procedimentos legais”, comenta Evaniely.
Depois de fazerem a denúncia, Evaniely e sua mãe se mudaram, para que os abusos não voltassem a acontecer, mas para que ela não ficasse sozinha em casa enquanto sua mãe trabalhava, sua tia foi morar junto com a irmã para poder tomar conta da casa. Depois de um tempo e muitas conversas, sua avó se separou do abusador.
Quando a situação acabou e elas estavam seguras longe do avô. Evaniely, com 8 anos, descobriu que teria uma irmãzinha, que viria para alegrar a família novamente.
“Quando minha mãe teve a minha irmã, nós morávamos em uma casa que quando estava em um período de chuva muito forte o vento levantou o telhado e ficamos desabrigadas durante um tempo”, conta Evaniely.
Sua mãe tinha acabado de ganhar o bebê quando ficou desempregada. De resguardo, sem poder trabalhar, Evaniely não viu outra saída a não ser ajudar a sustentar a casa para que ela, sua irmã e sua mãe pudessem se alimentar.
Foi então, aos 8 anos, que Evaniely começou a vender bombons para os amigos na escola. Com a ajuda do tio, ia comprar os doces em uma bomboniere e ao ver que estava dando resultados, decidiu vender também picolés para conseguir suprir o básico das necessidades em casa.
“O que eu fazia era o que nos ajudava a sustentar a casa. A minha mãe estava de resguardo e minha irmã nasceu com paralisia cerebral, então a cada fase dela sempre aparecia algo novo para se tratar. A situação era muito mais complicada por conta disso”, relata.
Mas as dificuldades não pararam por aí, a renda que conseguia com as vendas dos bombons mal dava para comprar a mistura do dia a dia.
“As rendinhas que eu fazia eram o que fazia a gente comprar o ovo. Teve momentos que foi necessário eu abrir mão, junto com a minha mãe, da mistura. Ás vezes só tínhamos o dinheiro para comprar um ovo e eram eu, minha mãe e minha irmã, então o ovo era para minha irmã, que era menor e que precisava mais, que era quem já tinha alguns problemas e nós precisávamos que ela crescesse forte mesmo diante de toda a situação. O que eu exercia de certa forma era o que fazia com que nos alimentássemos”, conta Evaniely, emocionada ao se lembrar dos problemas que passou.
Com as dificuldades, sua mãe passou a ajudá-la para organizar como fariam a compra e a revenda dos doces, muitas vezes, utilizando rifas para arrecadarem mais dinheiro. Apesar da situação, sua mãe sempre priorizou os estudos. Deixava-a fazer o que quisesse desde que mantivesse um bom rendimento na escola.
E foi priorizando os estudos que Evaniely conheceu o projeto Recomeçar¹, que deu a elas a esperança de construírem uma nova vida juntas. Depois de algumas palestras e oficinas práticas sobre trabalho infantil, perceberam o quanto era prejudicial Evaniely assumir todas aquelas responsabilidades e, por isso, parou de trabalhar. Sua mãe, após muita luta, conseguiu um trabalho na feira e aos poucos foram construindo um recomeço.
A mãe passou a cursar pedagogia e, Evaniely conseguiu uma bolsa para cursar Jornalismo. Atualmente, está no último semestre da faculdade e para concluir a graduação decidiu fazer um livro reportagem sobre a Associação Beneficente ao Menor Carente do Parque São José, localizada em Fortaleza (CE), que promovia o projeto Recomeçar, contando histórias de jovens que como ela batalharam para ter um futuro diferente e longe do trabalho infantil.
Hoje, com 22 anos, Evaniely conta, orgulhosa, o que sente ao olhar para trás e lembrar de todos os obstáculos que enfrentou: “Sou grata a minha mãe, porque mesmo diante das dificuldades ela estava lá conosco, tentando fazer, dentro das possibilidades dela, o melhor para nós. Eu agradeço o projeto, as pessoas que me tiram o riso e também as que me fizeram chorar, porque se elas me fazem chorar é sinal de que algo eu tinha que ajustar, algo estava errado. ”
Evaniely é um exemplo de superação, mas não é a única criança que foi exposta ao trabalho infantil. Hoje, mais de 2 milhões de crianças e adolescentes trabalham. Sem a sua ajuda, muitos deles não poderão ter uma alternativa para mudarem de vida. Diga não ao trabalho infantil!
¹ Com o apoio da Fundação Abrinq o projeto Recomeçar conseguiu combater 90% dos casos de trabalho infantil identificados na região.