Quem passa por Fortaleza (CE) nem imagina que na cidade há uma organização que ajuda milhares de crianças e adolescentes, principalmente, em situação de trabalho infantil.
Ao ver que a cidade tinha um alto número de crianças que trabalhavam, a Associação Beneficente ao Menor Carente do Parque São José criou o Projeto Recomeçar, em parceria com a prefeitura.
Ao identificar que uma criança estava em situação de trabalho infantil, a prefeitura da cidade a encaminhava para o projeto para que participasse de palestras temáticas e oficinas, que as mantinham ocupadas quando não estavam na escola, evitando que retornassem à realidade cruel e precoce do trabalho.
Mas não era tão simples assim, para que as crianças pudessem frequentar o projeto, era realizado um trabalho de conscientização e sensibilização da família, para que compreendesse a gravidade do tema e quebrasse alguns mitos existentes. “As famílias tinham noção do problema, mas no início tinham dificuldade de aceitar que era prejudicial à criança, porque na verdade, até hoje, existem algumas pessoas que batem na mesma tecla e falam que trabalharam e nunca morreram, e esse era o discurso dos pais, muitos falavam que era frescura”, relata Marta Alves, coordenadora da associação.
Após o insistente trabalho com os pais, alguns começaram a entender as consequências que o trabalho causa no desenvolvimento da criança, desde uma má alimentação até o baixo rendimento escolar por causa do cansaço e, assim, começaram a retirar os filhos dessa situação.
A associação dava o seu melhor para combater o trabalho infantil na cidade e após o apoio da Fundação Abrinq, conseguiram combater, em conjunto, cerca de 90% dos casos identificados na região.
Isabella* foi uma das crianças atendidas pelo projeto. Desde muito pequena, ela já precisava cuidar dos filhos das amigas da mãe, a fim de conseguir uma renda extra para casa.
“Era muito comum uma criança cuidar de outra menor da vizinha ou de algum parente que tem mais condições, só que se uma criança cai ou se machuca a culpa sempre era da cuidadora, que no caso era outra criança”, explica Marta.
Devido ao trabalho, Isabella começou a adquirir uma alta responsabilidade e, consequentemente, pensamentos mais avançados para a idade. Com 11 anos, ela conheceu o projeto, mas não parou de ajudar a família, que precisava sustentar sete filhos.
Até que um dia ela se apaixonou por um menino, acreditava que sair com ele seria uma oportunidade de viver a vida dela e parar de pensar nos afazeres que tinha. Mas, aos 15 anos, ganhou outro comprometimento: descobriu que seria mãe.
“Ela começou a namorar. Para ela, era uma forma que tinha de se libertar de casa, começar uma vida diferente, só que o relacionamento não era maduro. O namorado, com 16 anos, quando descobriu que a engravidou, deixou ela. E aí a situação piorou porque além dela estar na casa dos pais, ela ainda levou um filho”, conta a coordenadora.
Mesmo com todos os desafios, a associação beneficiada pela Fundação Abrinq não desistiu de tentar ajudá-la e foram atrás de uma maneira de amparar Isabella e o filho. Após muito trabalho, conseguiram colocar o bebê em uma creche para que assim, ela pudesse se dedicar aos estudos. Pouco tempo depois, com o auxílio do projeto, conseguiu uma vaga para trabalhar como jovem aprendiz em um supermercado e dar o primeiro passo para uma nova vida.
Atualmente, Isabella tem 19 anos, concluiu os estudos e começou a trabalhar com todos os seus direitos garantidos, podendo, assim, construir uma nova história ao lado do seu filho.
“Eu fico muito feliz em saber que fizemos a diferença e que fomos a ponte de transformação da vida dela. Temos muitos casos bons na instituição. Temos muitos que não conseguimos alcançar o sucesso que desejávamos, mas a maioria são bons, muitas crianças que realmente conseguiram vencer”, finaliza Marta, feliz ao se lembrar da história de Isabella.
A Fundação Abrinq apoiou e ofereceu recursos para a organização durante quatro anos, possibilitando a ampliação do atendimento e a queda no número de crianças em situação de trabalho infantil.
* Nome alterado para proteger a identidade da criança.